Tic-tac.
Olho para os ponteiros.
Ele não chega? Foda-se, já são duas da manhã, nem deu notícias…vou dormir.
Não, espera, só mais um pouquinho. Ele disse que poderia chegar tarde mesmo essa semana, calhou de ser hoje. Não queria dormir sozinha, paciência.
Tic-tac.
Ligo no celular, talvez?
Não, confio nele. Além do mais, só iria atrapalhar. Desnecessário ele me dizer que já está chegando quando ele já está chegando.
Tic-tac.
Ele não teria porque estar com outra. Não se a gente ainda tem trepado tão bem, nada mudou desde que passamos a morar juntos. Os jeitos e meandros não têm variado muito, admito, mas, como poderia estar ruim? Se a minha dormência nos pés ao fim ainda é a mesma do começo do namoro.
Tic-tac.
Lembro do embrulho que ele chegou trazendo outro dia, com aquela cara de dissimulado que bem conheço. Foi a mesma que fez há uns meses quando perguntei quem era a mulher passante para quem ele abriu um breve sorriso, Quem é essa? Quem? Essa para quem você acabou de sorrir. Sorrir? Você está vendo coisas, não conheço ninguém aqui.
No dia do embrulho nem fiz questão de perguntar direito, estava preocupada com outra coisa e, indagado, ele jogou no ar que É só uma coisinha, amor.
Tic-tac. Passam das três. Um acidente, é claro. Eu teria sido avisada, mas vai que…o celular. Nada. Caixa postal. Devo me preocupar?
Tic-tac. A coisinha do outro dia, qual era a sacola? Homem nunca se lembra de usar uma sacola diferente da original. Espremendo a memória…tinha a logomarca do shopping, certeza. Mas daqui a uma semana é aniversário do pai, tic-tac, deve ser algo para o velho.
Não vou ficar pensando nisso.
Tic-tac.
A qualquer hora ele chega, nem estou mais com raiva, querido, é preocupação mesmo, chega logo, caralho.
Tic-tac.
Mas e se fosse um presente para o pai, ele não teria dito?
Tic-tac.
Olho para os ponteiros.
Tic-tac.
por Lealdo de Góis Andrade
doce. =]