O Mistério

Quando eu era mais novo, acreditava – de verdade – que havia algo de misterioso no mundo dos adultos.

Não falo apenas das piadas que nem sempre entendia, ou do torpor alcóolico no qual via algumas pessoas e que me causava um certo fascínio receoso. Falo mesmo de um conhecimento, ou algum ritual, que só eles soubessem. Como se houvesse uma verdade primordial e essencial à compreensão do mundo que absolutamente todos os adultos conhecessem – segredo esse que seria tacitamente sempre escondido das crianças, escondido com uma fidelidade que acho que nunca nenhuma daquelas pessoas grandes havia já nos demonstrado.

Percebia as reuniões dos meus pais com os meus tios e tias acontecendo em casa, todos reunidos em uma sala enquanto eu era ordenado a permanecer no quarto, à distância, e pensava que eles deviam estar discutindo e participando d’O Grande Mistério da Vida Adulta, aquele que conheceria quando chegasse aos dezoito anos, ou sabe-se lá qual idade fosse a necessária.

Obviamente, vim a ter tal idade, e ninguém veio me contar, num sussurro discreto durante o aniversário, nada; nem sequer chegou qualquer carta ou e-mail. Gostaria de poder dizer que naquele momento já era cético o suficiente para saber que isso nunca aconteceria, mas não seria inteiramente honesto. Reconheço que uma parte de mim ainda tinha esse sonho.

Hoje, com alguns anos passados dos dezoito, pergunto-me porque cria tão fortemente nesse Mistério. Talvez fosse porque sentia falta de algo, e achar que todos se encontravam reunidos numa ritualística que nos era proibida me desse a esperança de que era ali que esse algo se encontrava. Ou porque sempre tive o vício de sentir que todos – todos, menos eu – em algum momento, de alguma forma, aprenderam ou virão a aprender algo que nunca me será apresentado, e que por isso serei sempre incompleto, sempre ridiculamente desejoso de um conhecimento ‘total’ que jamais alcançarei.

Penso agora que uma nostalgia patética bate em mim e me faz preferir aquele tempo, quando eu esperava um adulto no momento apropriado vir e me contar o que havia na vida de tão secreto que fugia à minha compreensão, do que agora, quando sei que esse segredo, se existir, não virá facilmente, e exigirá uma obstinação por toda a vida para ao final talvez descobrir que todos padecem ignorantes do que se passou nesse tempo todo, e que os curiosos são aqueles a mais sofrer, como punição por terem buscado tanto enquanto podiam apenas parar, olhar em voltar e ter certeza daquilo que só os mais idiotas já sabem, e sempre souberam.

por Lealdo de Góis Andrade

Caleidoscópio

Parece que sempre houve na memória de Carlos uma visão marcante de uma barra de saia levantada. A mais recente era a da sua esposa enquanto lavava louças. Não sabia se era por avoação, calor ou mera malandragem de menina, mas a safada tinha deixado metade da barra levantada, ali meio que apoiada, meio que levitando, em cima do quadril, a calcinha branca e uma boa parte da nádega aparecendo. Carlos passou minutos, talvez horas, olhando aquele relevo, sentindo com os olhos a textura do material enquanto fingia que ouvia a conversa, e se lembrava de outras bundas, de tantas outras bundas.

Como a da sua prima, ele com doze, ela nos seus doces vinte e um, um verão de faltar água na bica, a moça provavelmente nem tendo notado a presença do moleque, enquanto ouvia a rádio e lia uma Ti-ti-ti. Estava deitada no sofá, ele passa na sala voltando da piscina do vizinho, até cumprimentou mas ela nem ouviu, estava encantada pela voz do locutor, enquanto Carlinhos se encantava com a barra da saia levantada, primeira visão do tipo que se recorda de ter tido, a calcinha rosa bem à mostra, uns pelinhos que não imaginava que existiriam por ali, saliências e sinuosidades que lhe acompanhariam na imaginação e no tato pelo resto da vida. Antes que a prima percebesse o que mostrava, ele já tinha saído para o banheiro.

Vários verões depois teve a chance de finalmente passar do imaginário ao real, com a vizinha, que tinha o que Carlos teve certeza por muito tempo que seria a melhor bunda da sua vida. Desde a primeira vez em que a viu – a bunda, não necessariamente a vizinha -, no dia em que ele veio à frente da casa pedir um pouco de óleo, e através da grade da frente pôde contemplá-la brincando com a irmã mais nova, despreocupada, sem perceber que a sua saia tinha se levantado, não pôde pensar em outra coisa, a cor vermelha dominou a sua libido por anos. Ela veio, corada, atendê-lo, com uma mão acenando e a outra, como que fingindo que nem ali estava, abaixando a saia para deixar a sua aparência menos indecorosa. Vários pedidos para sair depois, a calcinha vermelha foi abaixada, e não voltou ao seu lugar por o que aos dois pareceram eras.

Muitos anos, inícios, términos, porres, e trepadas depois, tantas bundas e calcinhas tendo-lhe passado pelos olhos, ao se deixar levar pela imaginação, o que faria até a velhice, para Carlos ainda viriam antes de tudo as cores branco, rosa e vermelho, todas se misturando e girando como em um caleidoscópio, rosa, vermelho, branco, vermelho, rosa, branco, rosa.

 

por Lealdo de Góis Andrade

Quero

Quero escrever as melhores histórias

Não as mais belas, apenas as melhores,

Não tenho tanto jeito para a beleza.

Sei que é pretensão,

Sou humano.

Mas se não contiver no seu interior

Novas visões sobre o mundo,

Sobre porque viajar, porque voltar,

Porque mudar, porque amar,

Porque lutar, porque pensar,

Porque acordar cedo é um desperdício,

Mas acordar tarde também é,

Porque criar é necessário,

Não vou ter que porque fazer algo.

 

Então é essa a minha intenção,

Só ficarei contente se for assim.

Mãos à obra,

Tenho-as todas na minha mente,

Só falta saber como escrever.

 

por Lealdo de Góis Andrade