O Forró da Pomba e do Zé

(ritmo de forró pé-de-serra; cada estrofe é imediatamente repetida por um coral feminino)

O passarinho piou no ouvido da muié (piou não!)
E a muié piou no ouvidinho do hôme (eita!)
O hôme pensou: “Agora tô é lascado,
Nem cheguei perto e já tem estrago,
Foi tudo por telefone!”

Mas Seu Zé não ficou desesperado (ficou não!)
Que era um homem de recurso (eba!)
Pensou: “Não sou é abestado,
Duvido de tal resultado,
Sou pobre mas não sou matuto!”

E Seu Zé quis foi ver a tal prova (viu não!)
Foi lá e bateu forte no peito (ui!)
Falou: “Vem cá, pomba safada,
Ela é minha namorada,
Mas nem eu mesmo aproveito!”

E a pomba que não era mesmo burra (era não!)
Já sabia que ia dar briga (ai!)
Disse: “Vai com calma, Seu Zé,
Que a Maria é bem filé,
Mas não desci pra intriga!”

E com Seu Zé desconfiado (tava mesmo!)
Seguiu a pomba no repente (xi!)
Disse: “Sorri com alegria,
Pai mesmo é quem cria,
De tudo mais independente!”

E com Seu Zé arrependido (ai ui!)
Partiu a pomba com o vento (vlap vlup!)
Pensando: “Melhor quem nem sabe
Do conto nem a metade,
Dorme assim mais sereno!”

Imbecil

Se você acredita em felicidade postada numa rede social,
Você está sendo imbecil

Se você acreditar na verdade de cada retrato em preto-e-branco postado
Numa rede antissocial,
Você será um imbecil

Se você pautar a vida por aqueles sorrisos
Filtrados
Emoldurados
Felizes radiantes

Espontâneos

Sinto muito, mas você então
Estará sendo bastante imbecil

E se você
Por um só segundo
Acredita
Num lugar onde o nada que entra
Se reduz a um nada que nada significa

E onde cada interação
É feita
Calculada
Apenas para lhe trazer
A mais pura felicidade

A mais pura
Algorítmica
Química
Lógica
Felicidade

Perdão, mas
Com todo o respeito
Você está sendo
Sim, isto mesmo,
Um imbecil

O mais bem manipulado
Mamífero equino
Guiado por um computador
Imbecil

E eu só queria te dizer isso.

Não, minto,
Queria dizê-lo também
para mim mesmo.

Hans Reiter

A stomped blood flower in the desert

Could grow upward your skirt

Born from a sunset not red, but blue

The soul spinning in front of a TV crew

Well, I guess the killer is not nearby

There are just so many ways

Just so many ways one can die

.

Do the novels have the answers we ask?

Do you also remember the leather mask?

As much as you want to win the race,

It ain’t that pretty on your pretty face

Well, I guess the writer is not nearby

There are just so many ways

Just so many ways one can die

.

Through all that we went together,

I don’t know who or what’s still there

To grow old with a small roof above

To feel all the deaths a bird can die of

Well, I guess she is not anymore nearby

There are just so many ways

Just so many ways you can die

O Segundo Desencanto da Vida Adulta

O primeiro desencanto da vida adulta é que
Você descobre que
Consegue trair a si mesmo
Em pontos que até então tinha
Como inquebrantáveis.
.
O primeiro desencanto da vida adulta é que
Você descobre que
Na falta de amor
Na falta de sexo
Na falta de amigos
Você ainda sobrevive
Só não sobrevive
Sem dinheiro.
.
O primeiro desencanto da vida adulta é que
Você descobre que
Sim, até somos resilientes
Mas uma resiliência tal que
Um dia pode
Sem sinal
Sem aviso
Sair pela porta dos fundos ou da frente
Sem um beijo de despedida
Sem aviso ou carta de intenção prévia
E você será obrigado a permanecer deitado
Olhando para o teto
Suando pelos pés
Tamborilando os dedos
Se perguntando onde estava aquela força
Que até então dormia de conchinha
Com você.
.
Ainda não descobri o segundo desencanto da vida adulta
Pois já ando suficientemente consternado
Com todos os primeiros.

Valsa Sem Fim

Quando pensava que

Tu te calavas, que

Não perguntava o

Porquê,

 

Eu me dizia que

Sim, já sabia,

Posso mandar em

Você.

 

Olha pra mim,

Não me quer mais aqui?

Agora é tarde

Demais.

 

Saiba de algo,

Não fique enganado,

De mim terás que

Ouvir.

 

A diferença

É tão pequena,

Penso que quase

Não há.

 

Somos o mesmo,

Não é pra ter medo,

Juntos, os dois, com

Seu sim.

 

Sim, é verdade,

Obedeces, faz parte,

Mas alguém tem que

Mandar.

 

E se não queres

Fazer o que deves,

Deixa tua raiva

No ar.

 

Pois que serás

O meu grande amigo,

Este que aqui

Me pôs.

 

Pro meu presente,

Apenas consente,

Cala-te e come o

Arroz.

 

Seguimos os dois

Nessa valsa sem fim,

Te quero, perto

Assim.

 

Te beijo, te abraço,

Não perde o compasso,

Canta agora

Por mim.

 

Quando pensava…

por Lealdo Andrade

Inegociabilidade

O que poderia uma eterna simetria
Frente ao fragmentado universo
Espelhado nos rachados azulejos
Com que se veste a alma?

Eternamente inconciliável
É o derramar da areia
Com a sublime visão do castelo
Que então à minha visão se erige.

Falo todas as línguas do homem,
E sei que das palavras ecoadas
De uma distante fonte
No meu ouvido,
Todas fazem sentido,
E são belas.

Aceita o meu abraço,
E não me larga após
O mais efêmero mostrar
Apresentar a perene realidade
Que jamais se escondeu
Por detrás de cada grão de areia.

Sonho com mil mundos
Onde cada habitante
Sonha os seus mil mundos
E todos dormem felizes
Por não estarem em seus respectivos mundos.

Para quê aviões?
O homem jamais teria necessidade
De se levantar do chão,
Pois já teria em si
Toda a altura de que necessita.

Jesus não gritou por seu pai,
Jamais.
Gritou como um preso gritaria
Ao perceber a condenação
A que estava destinado:
Não subir aos céus.

Das manhãs selvagens

Das manhãs selvagens

Absorvo a tranquila angústia

De quem sabe que a noite

Nos sussurrará uma canção de ninar

Para despertar os mortos.

 

Deixo florescê-los todos.

Sucumbir-me a mim,

Aceitar a existência tão vaga

Quanto a diferença

Entre tudo que passa.

 

Olho para o céu, e vejo o infinito.

Tornar-me-ia um com o universo

Fosse possível.

 

Como dizer o que não entendo se descreio no que não conheço?

Vinde a mim as criancinhas,

Não ouso desejar tudo,

Apenas aquilo que me pertence.

 

Poetas antes de mim quiseram capturar o que não sabiam.

Pôr ossos em recatados sóis,

Incapazes pincéis em pálidas portas.

 

Se anseio pelo que de mim está além,

Que parte de mim terei que deixar

Para alcançar o que de mim está no além?

 

Olho para o céu, e sei que o infinito

Não passa daquilo que não somos.

Não sendo, não nos tornaremos

O nada que para sempre seremos.

 

Que tudo flua à minha volta

Enquanto tudo o que eu não sou

Pega a minha mão,

E eu pego a sua mão,

Levando-me para o poente.

 

Deixo-me, fremente, ser levado,

E descanso,

Carregado por uma última visão,

Ardente.

por Lealdo Andrade

Consciente, inconsciente e pateticamente inspirado pelo maior do maior, Tabacaria.

Os Bufões voltam à ativa, após mais de 1 ano de alguma escrita ainda não aqui publicada e muita leitura – tenho descoberto novas formas, possibilidades e, invariavelmente, ídolos. A ambição segue; o presente, quem sabe, alcançará o futuro ainda só existente na minha cabeça.

Quero

Quero escrever as melhores histórias

Não as mais belas, apenas as melhores,

Não tenho tanto jeito para a beleza.

Sei que é pretensão,

Sou humano.

Mas se não contiver no seu interior

Novas visões sobre o mundo,

Sobre porque viajar, porque voltar,

Porque mudar, porque amar,

Porque lutar, porque pensar,

Porque acordar cedo é um desperdício,

Mas acordar tarde também é,

Porque criar é necessário,

Não vou ter que porque fazer algo.

 

Então é essa a minha intenção,

Só ficarei contente se for assim.

Mãos à obra,

Tenho-as todas na minha mente,

Só falta saber como escrever.

 

por Lealdo de Góis Andrade