As Perguntas

De todas as perguntas que já me fiz, talvez uma das mais perniciosas seja: ‘por que perguntar?’. Ou, noutra forma: ‘por que sempre perguntar?’. Ou, na forma em que ela me apareceu recentemente num exercício: ‘sempre ter que perguntar não pode ser uma forma de tortura?’. Uma resposta óbvia seria: não, não é uma tortura, pois é a única forma de se aprender. Outra resposta possível: não, não pode ser uma tortura, porque perguntas abrem o mundo, enquanto respostas o fecham. O que é uma forma mais branda de dizer: respostas morrem; perguntas, não. E essa foi uma das primeiras lições que aprendi como artista.

Outro caminho para uma possível resposta seria apontar para virtudes tidas como universais: a sede de conhecimento, a insubmissão dos povos, a curiosidade infantil. Cada uma dessas virtudes é motivada por perguntas: é possível curar o câncer? Por que aceitar um governante tirano? O que acontece ao se colocar o dedo na tomada? Virtudes portanto constituídas por perguntas e que pouparam ao longo da história muitas vidas e sofrimento: aprendemos a encontrar comida, a derrubar papas e déspotas, a curar enfermos. Ao mesmo tempo, e daí vêm não só a tortura da pergunta original como a minha hesitação quanto a essa confiança inata no progresso: já sabemos o que ganhamos com as perguntas. Mas e o que perdemos?

A natureza não pergunta. O céu não pergunta. O mar não pergunta. Eles são. Penso se, na tentativa de conquistarmos a tudo através de perguntas, não nos condenamos à separação eterna daquilo que é mais essencial. Cada pergunta que fazemos pode ser um passo a mais rumo a um planeta tórrido, a outro dispositivo inútil, a mais uma dor física ou espiritual inédita, a tudo aquilo que nos torna mais humanos e mesquinhos. A sofrimento que o próprio progresso supostamente tenta evitar.

Na impossibilidade de, enquanto humano e vivo, deixar de fazer perguntas, busco cada vez mais fazer somente as perguntas elementares; isto é, as corretas. Pois há uma diferença entre perguntas corretas e erradas. As primeiras levam ao conhecimento de si. As segundas, a distração e ruído. As perguntas erradas apontam para frente e para trás, ou para os lados. As perguntas certas apontam para cima e para baixo, para o céu e para o inferno. Não os de fora, mitologias inventadas para crianças, mas os de dentro, que fazem adultos gozarem ou chorarem à noite.   

Chegamos enfim à reflexão, de todas a mais óbvia: que esse texto inteiro é uma pergunta. Que espero que tenha sido, em suas imperfeições, a pergunta que devia me fazer hoje. Desejo assim, com falhas e pausas, mas com persistência, de pergunta em pergunta, de passo mais básico em passo mais básico, chegar à questão fundamental. Pergunta esta cuja resposta poderá ser encontrada não mais através de outra pergunta, como em toda a cadeia anterior, mas de silêncio. Silêncio em cuja companhia eu poderei enfim me tornar um só, mudo como os céus, em paz como os mares.

Um comentário sobre “As Perguntas

  1. Parabéns Meu Filhão. Pela leveza do seu texto, pelo caminho da narração que nos leva a uma viagem das palavras e das perguntas e das respostas. beijão do Paizão

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