Todo dia, as galinhas botavam ovos. Como havia um galo no galinheiro, a maioria dos ovos viravam pintos. Uma boa parte deles sobrevivia, mas outros tanto eram devorados pela raposa, que toda semana visitava o galinheiro. Fazia isso sem parar havia dois anos. Como a raposa era esperta, nunca tinha sido capturada nem pelo fazendeiro, nem pelo galo, nem pelas galinhas. Todos dormiam à noite, mesmo nas noites de sábado, quando sabiam que um pinto iria desaparecer.
Ainda que conhecesse os segredos do galinheiro, que permitiam sua entrada e saída, a raposa permanecia alerta. Não queria ser morta, ou pior, capturada.
Num determinado sábado, fez a entrada habitual por um buraco próximo ao teto. Deslocou-se em silêncio para o canto onde os pintinhos eram mantidos. Pôs um deles, que não ofertou qualquer resistência, na boca. Em uma mastigada, o engoliu. A carne era tão macia e saborosa que não raro vinham lágrimas aos seus olhos.
Já saía pela mesma passagem por onde entrou quando notou que uma das galinhas, uma das mais magras, estava acordava e a observava, sem cacarejar. Cautelosa, a raposa se aproximou.
– Eu venho aqui toda semana para devorar seus filhos. Não sou uma criatura má, é apenas a minha natureza. Mas a natureza de vocês seria a de proteger sua família. Não irão nunca fazer algo em relação a isso?
Ao que a galinha respondeu:
– Ao contrário das outras galinhas, eu não durmo. Durante dois anos, todo sábado tenho observado você entrar, mastigar uma de nossas crias e voltar impune para o mato. Você nunca me notou, apesar de ser esperta. Em compensação, eu nunca fiz nada, nem dei um pio.
– Por quê?
– Ao contrário das outras galinhas, sou infértil. Meus ovos são frágeis, mal aguentam sair de mim. Nunca gerei uma cria viva. Por isso, sou ignorada aqui. Não tenho amigas, dizem que dou azar. Aprendi na minha solidão a observar. E sei que a sua natureza, raposa, é a de matar. A das outras galinhas é a de gerar. A minha é a de testemunhar. Vá embora antes que alguma outra galinha acorde. Aguardo-lhe no próximo sábado.