Roberto contraiu e alongou o pescoço. Os joelhos doíam após aquelas horas de espera. Levantou-se e dobrou com cuidado cada perna. Aproveitou para ver em que número o letreiro estava. Ainda no 34. Ele, que tinha recebido o 35, não entendia porque tanta demora. Olhou em volta. Ninguém mais saía nem chegava tinha horas. Não havia outros esperando. Observou a porta grande à sua direita. Considerou suas opções, resolveu que faria algo. Mas antes se sentou de novo.
Notou, cansado, o quão forte era a luz naquela sala. Acompanhou uma mosca que veio zumbindo de longe. Pousou primeiro no cabelo armado da recepcionista. Dali voou para a careca suada do segurança. Após alguns minutos, veio aterrissar na sua coxa. Roberto considerou dar-lhe um tapa, porém lembrou-se do nojo que sentia de insetos. Tentou afastá-la abanando com a mão. A mosca nem se mexeu. Ele considerou suas opções. Precisava fazer algo.
Antes que pudesse agir, seu nariz foi nocauteado pelo perfume da mulher que tinha acabado de entrar. Ela cumprimentou o careca com um aceno familiar e se sentou. Sua fragrância continha uma dose violenta de álcool e caramelo. Roberto mal teve tempo de se surpreender com sua chegada. Ele estava muito distante, na sala da coordenadora de sua velha escola. Dona Raquel puxava sua orelha e dizia que se recusava a entender como ele, Betinho, podia ter perdido sua mochila pela quinta vez no ano. Dona Raquel também cheirava a álcool e caramelo. Antes que Roberto chorasse, a mulher do perfume se levantou e entrou pela porta. As mãos de Roberto eram de novo adultas, e a escola tinha sumido. Ele olhou para o letreiro. Permanecia no 34.
Roberto pegou o celular para ver as horas. A tela estava escura. Tentou ligá-lo, não conseguiu. Olhou em volta, tudo estava vazio: a mosca não estava mais lá, o careca e a recepcionista tampouco. Roberto se perguntou se já seria tão tarde. Decidiu que faria algo. Procurou uma janela. A única que havia na sala tinha desaparecido. Ele começou a gritar pedindo ajuda. Ao olhar para trás, notou que o letreiro indicava o número 35.
Roberto se aproximou da porta. Abriu e viu o que havia dentro. Considerou suas opções, então entrou.
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[Texto com o tema Sentidos: luz, cheiros, sons, etc, 2000 toques, produzido para a oficina literária Nocaute Iceberg, de Joca Terron]
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